sexta-feira, 18 de outubro de 2013

QUANDO ERA PEQUENO...





Às vezes, quando era pequeno, Carlos fingia dormir na tentativa de flagrar seus brinquedos, os poucos que possuía ganharem vida, porém nunca conseguira. Mas o que mais gostava de fazer era fingir estar dormindo no sofá para que seu pai, ao chegar do trabalho, passasse a mão em seus cabelos e perguntasse. “Meu escoteiro leal está dormindo?”, logo, Carlos abria um belo sorriso e o abraçava. Mas isso já fazia tanto tempo e foram tão poucas às vezes que aconteceu, que ele já nem distinguia se tinha sido um sonho ou realidade. 

Mesmo após a separação, a mãe de Carlos continuou a dormir em sua cama de casal, com dois travesseiros, dizia que dessa forma não sentia solidão à noite, mas a verdade era que com aquele travesseiro ao lado podia fingir que ainda era casada, que ainda era feliz, que tudo estava bem, que as feridas não cicatrizadas não existiam; que era feliz.

Às vezes à noite a mente de Carlos ficava tempestiva, era como se todas as ânsias secretas que tinha do mundo se revelassem na hora de dormir. Deitava na cama, dormia, mas não adormecia, acabava se perdendo nas possibilidades de vidas que almejava, no entanto, nunca buscou. E nessas noites inquietantes acabava acordando ainda mais cansando do que quando tinha ido deitar.

Certa noite escutou sua mãe chorar, era uma noite calma, daquelas que se pode ouvir uma agulha caindo do outro lado da rua. Quis tanto ir ao quarto da mãe e dizer que tudo ficaria bem, que ficariam bem. Chegou até a se levantar, ficou cerca de cinco minutos, ali, parado, então voltou a se deitar e algo desligou nele, algo que fazia com que não se importasse mais. Mas uma vez teve coragem de perguntar algo que estava lhe incomodando a um bom tempo.

“Mãe, quando o papai vai voltar.”

“Nunca!”, respondeu de forma bruta.

“E isso leva muito tempo?”, indagou de forma ingênua. 

“A eternidade.”

“E quanto tempo custa à eternidade, mãe?”

“O mesmo de eu ir até ai e lhe dar uns bofetes.”, disse erguendo a mão em tom ameaçador.

Ninguém nasce amargo, a amargura vem como um bônus em vidas sofríveis. A mãe de Carlos o amava do jeito dela, mas o amava, ela só não tinha as respostas amáveis e corretas... E o tempo se encarregara de adormecer as perguntas inocentes e inconvenientes de seu filho.

(...)

Marcos Martins.

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